A Utilização de Venenos

Texto: ©Programa Antídoto Portugal

As referências históricas aos venenos e aos envenenamentos remontam há mais de 5000 anos atrás, sendo de destacar a primeira referência ao uso de venenos para controlo de animais feita por Aristóteles em 350 a.C., que mencionava a Estricnina para eliminar roedores.

O conceito de “Veneno” revestiu-se desde sempre de uma certa ambiguidade, pois como tudo depende mais da dose do que da substância utilizada, o que é “Veneno” num caso pode não o ser noutro. Esta ambiguidade persiste nos dias de hoje, pois continuam a ocorrer diariamente envenenamentos de humanos e animais, devido ao uso de várias substâncias tóxicas cuja legalização e utilização continua a ser justificada pelos seus efeitos aparentemente “benéficos”.

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Considerando que um Veneno é uma substância tóxica aplicada com a clara intenção de matar um organismo, podemos classificar os envenenamentos de fauna da seguinte forma:

Envenenamento primário:

Intencional (1): Quando há um objectivo claro de matar um determinado animal.
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A perseguição directa a que têm sido sujeitas diversas espécies de fauna selvagem, principalmente predadores (carnívoros e aves) tem sido levada a cabo com venenos, que em alguns casos contribuiram para extinções locais e globais. As principais motivações associadas a este tipo de envenenamento estão relacionadas com a actividade pecuária e cinegética, ou até em alguns países, principalmente na Ásia e África para utilização de cadáveres de animais em medicina tradicional e rituais religiosos.
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Acidental (2): Quando há intenção de matar um determinado animal e há outro que consome acidentalmente o veneno que é aplicado.
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O uso de venenos para matar animais não é um método selectivo e por essa razão provoca a morte a muitas outras espécies para além daquelas a quem os iscos são destinados. Têm sido descritos vários casos em que há animais que acedem a iscos com veneno que eram destinados a outros. Entre as espécies mais afectadas nestas situações devem ser destacadas as aves necrófagas, ou seja, as que se alimentam de cadáveres. Estes casos geram situações dramáticas quando ocorrem em habitats ocupados por espécies gregárias como os abutres, gerando mortalidades massivas que podem levar ao desaparecimento de colónias inteiras.
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Legenda: mocho-galego (juvenil) encontrado dentro de uma estação de isco/veneno.

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Alguns factores associados ao tipo de iscos utilizados e que são importantes nestas situações são a persistência do tóxico no ambiente e a sua capacidade de degradação. Devido ao tipo de substância aplicada e às condições climatéricas, os tóxicos presentes nos iscos podem chegar a permanecer durante meses ou até anos em doses suficientemente altas para causar a morte aos animais que os ingiram. Além da ameaça que estes factos representam para a Biodiversidade, devido à entrada dos venenos nas cadeias alimentares, o problema também é grave ao nível da Saúde Pública Humana.
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Envenenamento secundário
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Nestas situações há um objectivo claro de matar um ser vivo, que posteriormente é consumido por outro. Desta forma, há transferência de resíduos de um indivíduo para outro, independentemente da localização do tóxico no corpo do primeiro. Quando uma espécie ingere vísceras, conteúdo gastrointestinal ou partes do corpo de um indivíduo que esteve em contacto com o tóxico, envenena-se de forma secundária. Os tóxicos mais frequentemente relacionados com este tipo de envenenamento são os pesticidas, que se agrupam em Herbicidas, Fungicidas, Rodenticidas, Avicidas e Insecticidas, cada um com diferentes efeitos conhecidos e importância no que respeita aos envenenamentos de fauna.
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mocho-galego-7
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Envenenamento acidental:
Nestas situações existe um tóxico no meio natural que não foi aplicado com a intenção de matar um organismo, mas cuja ingestão por outro animal é prejudicial a este. Embora este tipo de casos não se enquadre totalmente no tipo de definição de envenenamento apresentado anteriormente, continua a ser frequentemente referido como tal. A acumulação de metais pesados como o Chumbo derivado de projécteis utilizados na caça, e que é ingerido por várias espécies levando ao seu envenenamento é um dos exemplos deste tipo de situações.
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Os recentes dados relativos à mortalidade massiva de várias espécies de abutres em países asiáticos, nomeadamente na Índia e no Paquistão são outro exemplo, pois revelaram que a elevada diminuição anual de adultos e sub-adultos se devia à insuficiência renal que era provocada pela ingestão de cadáveres com resíduos de Diclofenac, um anti-inflamatório de uso veterinário com que os ruminantes são medicados naquela região (Oaks et al. 2003).