©Alexandre Vaz/Dezembro 2016
São cinco horas da madrugada de sábado. Numa estação de serviço, perto de uma das saídas da cidade, reúnem-se os habituais taxistas, jovens de regresso a casa, depois de uma noite de diversão, e profissionais prestes a entrar no primeiro turno da manhã. Numa das mesas, reúne-se, no entanto, um pequeno grupo mais atípico: seis homens, entre os 20 e os 40 anos, harmoniosamente trajados, com tons da natureza, em casacos quentes e impermeáveis, botas de caminhada e pequenas mochilas às costas. Entre si, comentam que, mais uma vez, nenhuma mulher os acompanha! A maioria conheceu-se num grupo existente na Internet que, alguns meses antes, tinha começado a organizar saídas de campo para observar aves.
Para quem vê de fora, a observação de aves, enquanto atividade lúdica, parece revestir-se de algumas particularidades; contudo, se analisada com atenção, quando comparada com outros hobbies, talvez não seja tão singular assim. Em todo o caso, podemos constatar que pertence a um grupo abrangente de atividades, que poderíamos designar por ‘subdisciplinas do naturalismo amador’, e que pode incluir pessoas que se interessam por árvores, flores em geral ou apenas orquídeas, borboletas e outros insetos, e até fósseis ou astronomia. Em Portugal, a adesão a estas atividades tem uma expressão bastante limitada, quando comparada, por exemplo, com o Reino Unido e outros países anglo-saxónicos. Vale a pena recordar que a ONG britânica RSPB, fundada em 1889, tem hoje mais de 1 milhão de sócios e mais de 1300 funcionários. Em Portugal, a homóloga SPEA foi fundada em 1993 e não chega ainda aos 4000 sócios! Não está em causa comparar o mérito e a natureza das duas instituições, mas perceber a diferença de enquadramento que a ornitologia, conservação e observação de aves tem em diferentes contextos. Em qualquer dos casos, a história da ornitologia portuguesa é muito mais antiga e fica marcada pela publicação, em 1903, do Catálogo Ilustrado das Aves de Portugal, com ilustrações de Enrique Casanova e coordenação de Carlos I de Bragança. No entanto, entre nós, a consolidação da observação de aves, enquanto atividade lúdica, teria de esperar provavelmente pela década de 80 do século XX. Hoje, mesmo se para alguns leigos continue a parecer uma atividade exótica, há livros publicados em Portugal, feiras, certames e encontros dedicados ao tema, e empresas a explorar este mercado, nomeadamente através da organização de passeios e excursões.
A valorização do património natural, em geral e das aves, em particular, contribui de forma substancial para ajudar à sua conservação, mas isso não significa que estas atividades se encontrem isentas de impactos. Se há uma marca inequívoca das sociedades contemporâneas, que não passa ao lado destas práticas, é a competitividade. Há muitas atitudes diferentes perante a observação de aves. E se há pessoas que simplesmente gostam de se fazer acompanhar de um binóculo e de um guia nos seus passeios, também há aquelas que organizam os fins-de-semana e férias em função dos picos migratórios das aves e que tudo fazem para maximizar o seu sucesso, contabilizando listas e competindo, direta ou indiretamente, com outros observadores. Ambas as abordagens ou todos os níveis intermédios são legítimos e podem ser praticados em absoluto respeito pelo bem-estar das aves e habitats; porém, como em qualquer atividade, também aqui pode haver adeptos, negligentes ou pouco escrupulosos, que assumam condutas reprováveis.
Um dos fenómenos tipicamente descrito como potencialmente nocivo, não necessariamente para a conservação de uma ou várias espécies, mas para o bem-estar de determinados indivíduos em particular, é a concentração de um elevadíssimo número de observadores, sempre que uma ave rara é descoberta. Muito antes da Internet, existiam, no Reino Unido, serviços baseados no telefone, em que eram dadas, em tempo real, informações sobre a descoberta de aves raras. Hoje, nas redes sociais, essa informação é transmitida à velocidade da luz e, mesmo num país com um número reduzido de observadores, a descoberta de algumas raridades origina autênticas romarias.
Outra prática frequentemente associada à observação que, caso não sejam cumpridas algumas precauções, pode ser altamente perturbadora, é a fotografia de aves. O sucesso do fotógrafo de aves baseia-se, na maioria dos casos, na capacidade de prever onde a ave irá pousar. Por esse motivo, muitos fotógrafos sentem-se tentados a investir nas proximidades dos seus locais de reprodução. Escusado será dizer que esta é uma fase especialmente sensível do ciclo de vida de todos os animais e onde a menor perturbação pode ter efeitos desastrosos. Por isso, um observador/fotógrafo pouco experiente deverá informar-se, não apenas dos hábitos da espécie, mas também do enquadramento legal a que essa atividade pode estar sujeita. Igualmente, a utilização de vocalizações para atrair aves não deverá ser usada com fins meramente lúdicos, já que o seu sucesso se baseia no pressuposto de que as aves atraídas o fazem, sobretudo para defender o seu território, ou para procurar parceiro de acasalamento. Em qualquer dos casos, a energia despendida e o stress potencial da ameaça, ao verem o seu território invadido, desaconselha veementemente esta prática. No entanto, o caminho que fazemos como observadores ou fotógrafos de aves é feito destas escolhas, e estou convicto de que as recompensas serão tão maiores quão maior for o respeito pelas aves e pelos ecossistemas.