Fisiologia e Anatomia: CERVAS: Enxerto de Penas (bufo-real)

O enxerto de penas é uma técnica utilizada para reparação da plumagem de voo danificada em aves de rapina, que teve origem na falcoaria mas que é frequentemente usada num contexto de recuperação de aves selvagens. As penas das aves de rapina podem deteriorar-se, e são frequentes as lesões derivadas do maneio, das condições das instalações bem como das próprias causas de ingresso das aves nos centros de recuperação, como é o caso do cativeiro ilegal ou de situações traumáticas como o atropelamento ou atingidas ilegalmente a tiro.
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As penas que com maior frequência ficam danificadas são as primárias ou as penas da cauda (rectrizes), principalmente das espécies que apresentam maior dimensão como, por exemplo, os milhafres (milhafre-preto Milvus migrans e milhafre-real Milvus milvus) ou, no caso das aves de rapina nocturnas, os bufos-reais (Bubo bubo). As principais lesões nas penas poderão ser classificadas em dois grupos: dobras e fracturas; e os tratamentos necessários para cada uma delas dependem da gravidade que apresentam. As dobras são facilmente reparáveis, por exemplo, através da aplicação de água quente na zona afectada da pena, mas em casos mais graves, com fractura, o enxerto poderá ser a única solução.
 
O local da lesão condiciona as possibilidades de tratamento, sendo que quando a porção afectada for a mais proximal, a dificuldade é maior, principalmente quando a pena ainda está em crescimento. Quando a fractura está na porção central ou distal pode ser aplicado um enxerto com uma pena recolhida numa ave da mesma espécie, preferencialmente da mesma idade e do mesmo sexo, principalmente nas espécies que apresentam grande dimorfismo sexual. Para que seja possível ter disponível uma quantidade e diversidade adequada de penas para enxertos, os centros de recuperação têm um banco de penas recolhidas em aves que ingressam mortas ou que morrem durante o processo de recuperação.
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A técnica consiste no corte da pena partida e da pena nova, ao mesmo nível, de forma a que o encaixe seja perfeito depois de ser aplicado o enxerto, para que a pena fique com o tamanho e posição normal. Para a união das duas porções deverá ser aplicada uma peça de madeira leve, que fará a ligação e estabilização do ponto de contacto após ser revestido com uma cola “lenta”, como por exemplo Araldite. É importante que, quando forem feitos vários enxertos, sejam cortadas as penas necessárias e colocadas na posição correcta para que se verifique se o conjunto das penas da asa está com aspecto e forma normais, de um ponto de vista estético e funcional, antes de ser aplicada a cola. Durante a colagem, cada pena deverá ser individualizada com pequenos troços de papel ou plástico, de forma a que as penas não fiquem coladas umas às outras acidentalmente.
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Após ser realizada a intervenção, deverá ser avaliado o comportamento da ave bem como a utilização que faz das “novas” penas. Deverá aguardar-se alguns dias antes de se considerar que o enxerto foi bem sucedido pois pode ocorrer a queda de alguma pena, ou até a remoção por parte da ave. Se assim for, o procedimento deverá ser repetido com brevidade. As vantagens do enxerto de penas residem na redução do tempo de permanência de uma ave num centro, num maior conforto e melhor possibilidade de voo num animal que esteja ainda em processo de recuperação.

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Legendas das fotografias:

Conjunto 1: a: avaliação do estado da cauda de um bufo-real (Bubo bubo) antes do início de uma sessão de enxerto de penas (imping). Este processo é necessário para a renovação da totalidade da cauda, uma vez que todas as suas penas (rectrizes) estavam partidas. Verificação do correcto posicionamento da primeira pena da cauda a colocar; b: corte da pena da cauda no ponto onde será colada à pena partida existente na cauda do bufo-real; c: preparação da peça em madeira que servirá de união entre os dois topos que serão colados durante o enxerto das penas; d: preparação do espaço que receberá a peça de madeira previamente preparada. Conjunto 2: a: averiguação do tamanho da peça de madeira que unirá as duas partes da pena para que possam ser efectuados eventuais ajustes ao diâmetro e comprimento; b: preparação do campo de trabalho para o enxerto da 2ª pena da cauda; c: colocação de cola na peça de madeira. Conjunto 3: a: colagem da pena; b: verificação da eficácia do processo de enxerto das penas e do correcto posicionamento das mesmas na “nova” cauda; c: vista dorsal das penas da ‘nova’ cauda após o enxerto.

 


 

Pequeno filme de um enxerto de penas realizado no RIAS