Entrevista: Adriana Candeias

Maio 2013

O assunto não está isento de controvérsias. E se, por si, levantava inflamadas discussões há duzentos anos, o mesmo se passa nos dias de hoje – a ingestão de medicamentos de origem animal, como medida terapêutica, é um assunto sensível, mas um facto. A homeopatia é uma das práticas que, um pouco por todo o mundo, tem vindo a fazê-lo.

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Procurámos esclarecer os motivos que estão por detrás de tais procedimentos e, simpaticamente, a homeopata Adriana Candeias mostrou-se disponível para falar um pouco sobre este assunto. Afinal, que razões poderão existir para tomarmos algo, neste caso em particular, obtido a partir das penas de uma coruja-das-torres? O que possuem estas de tão especial?

Um excerto de Tyto alba, Barn Owl Feather [http://www.welshschoolofhomoeopathy.org.uk/provings/Barn_Owl_Feather.pdf]

Trituration
I had taken advice on how to store the feather once obtained, and arranged to travel down to Helios, as I wanted to carry out the trituration myself if possible. I had not thought about seriously doing a proving at this stage. I had many doubts but everything seemed to fall into place. I completed the trituration at Helios to the thirtieth potency, with instruction and supervision. The trituration had its own synchronicities and experiences for me. I have included extracts from my own journal notes in appendix IV.
I met with my clinical supervisor to discuss why and how I intended to complete the proving. Dates and frameworks were discussed and I drew up guidelines for provers and supervisors.
Notebooks, guideline notes and the remedy were given out at two meetings (see appendix I) at the beginning of November. Provers took the remedy on the 10th November. The proving was closed with a meeting on 15th December, after all the notebooks were handed in. I was supervised and monitored at each stage of the proving. Helios provided the coded remedy bottles and the code was given on completion of the proving at my request on 23rd December 2003.

Informação retirada da página da Associação Portuguesa de Homeopatia:
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A Homeopatia é uma medicina energética que usa remédios que não provocam alergias, não causam efeitos secundários nem criam habituação. Baseada no princípio dos Similares, o que significa que pode curar uma doença com um produto dado em doses ponderais, criando num indivíduo sadio, os sintomas semelhantes aos manifestados pelo doente. (“Princípios da Homeopatia”).
Este princípio já era conhecido na antiguidade e consta mesmo dos Vedas, livros religiosos indianos, escritos há mais 4 mil anos antes de Cristo. Foi usado na Grécia antiga, mas foi o Dr. Samuel Hahnemann de Alemanha que sistematizou esta medicina e formulou leis e princípios que a regem. Em Portugal a Homeopatia vem sendo usada há muitos anos, havendo uma farmácia homeopática há mais de 100 anos.
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– O que nos pode dizer sobre esta prática, especialmente a quem nunca ouviu falar de homeopatia? Como é suposto funcionar, em termos curativos?

A homeopatia funciona estimulando o sistema imunitário do paciente a desencadear os processos naturais de cura tendo como consequência o desaparecimento dos sintomas.

Após observar e registar os sinais de desequilíbrio no estado de saúde do paciente, o homeopata identifica o medicamento cujas propriedades mais se aproximam do quadro clínico descrito e prescreve-o na potência e frequência adequada ao paciente. Também, devido à complexidade dos quadros clínicos apresentados modernamente, o terapeuta poderá escolher vários medicamentos complementares que ajudarão o paciente a reagir mais rápida e consistentemente ao tratamento.

Embora os sinais físicos sirvam de guia para a identificação do medicamento adequado a prescrever, a acção dos remédios faz-se sentir na causa original do desequilíbrio dando oportunidade à recuperação da saúde e não apenas ao alívio dos sintomas.

A homeopatia é aplicada individualmente e tem em conta a constituição, sensibilidades, historial médico e pessoal, sintomas locais e gerais, reacções associadas e estado mental do paciente, o que faz com que seja um sistema de medicina holístico.

Para explicar as razões da utilização de determinado medicamento homeopático talvez seja melhor descrever a actuação da homeopatia como sistema terapêutico baseado no princípio do Simillum, a cura pelo semelhante: “Uma substância tem a capacidade de curar o quadro clínico cujos sintomas provocaria numa pessoa sã.”

Este princípio é aplicado há milhares de anos por diferentes culturas incluindo os Antigos Egípcios, famosos pelo seu avançado sistema médico. Utilizavam-se compostos tóxicos para curar maleitas que, embora provocadas por outros agentes, tinham um quadro clínico semelhante ao do remédio. A arte deste procedimento consistia em curar o paciente antes que os efeitos tóxicos do composto fossem predominantes, o que levou à elaboração de outro princípio homeopático, o da dose mínima.

Ao investigar a dose mínima a partir do qual o veneno seria eficiente, Hahnemann foi experimentando diluições e desenvolveu uma prática específica de agitar vigorosa e numerosamente entre cada diluição criando as sucessivas potências dos medicamentos.  Este protocolo chamado de sucussão, energização, dinamização, ou potentização garante as propriedades das soluções diluídas e é hoje conhecido como o método Hahnemaniano.

Embora a quantidade de composto inicial seja cada vez menor em cada diluição, mantém-se a qualidade curativa das mesmas, mesmo para além de diluições onde a concentração do princípio activo é virtualmente nula, confirmada pela eficácia dos medicamentos homeopáticos de alta diluições e sucussões.

Actualmente, as leis da físico-química prevalentes não conseguem justificar este fenómeno, mas os avanços tecnológicos e as novas teorias sobre as propriedades da matéria têm vindo a ajudar na compreensão da acção específica dos medicamentos homeopáticos.

22– Como podemos constatar, neste documento da Welsh School of Homoeopathy é feita referência à utilização de uma pena de rapina nocturna, a coruja-das-torres. Porquê as penas, e especificamente as da coruja-das-torres? Esta prática é comum em Portugal? Que outros animais são utilizados e, em termos terapêuticos, com que fins?

Os medicamentos homeopáticos têm surgido de várias correntes de investigação.  Originalmente, Hahnemann e os seus discípulos concentraram-se em toxinas e venenos provenientes tanto de plantas como de animais trazidas essencialmente de territórios exóticos e tropicais.

Também desde então tem-se investigado muitos compostos metálicos como medicamentos homeopáticos, tirando conhecimento a partir do que já se sabe sobre a sua toxicidade a longo prazo.

Mas não são apenas os venenos e as toxinas que têm lugar nas Materia Médicas homeopáticas.  Também substâncias aparentemente inócuas no seu estado material contêm propriedades terapêuticas quando potentizadas. Praticamente qualquer composto possui propriedades curativas e o número de homeopatas a testarem e a desenvolverem medicamentos tem crescido.

Por vezes escolhem a substância pela sua importância fisiológica, como o leite materno ou colostrum. Outros são inspirados por vias mais eruditas ou lúdicas. Acredito ser este o caso da coruja-das-torres Tyto alba.

– O nosso principal objectivo é perceber de que modo a ingestão de determinadas partes de animais, presentes em alguns compostos, pode actuar como medida terapêutica. Existem estudos demonstrativos do nível a que funcionam no organismo?

A ingestão de partes animais sempre teve aplicações terapêuticas, como por exemplo o consumo de fígado em casos sérios de anemia ou de ossos para a osteoporose. Da mesma forma que se conhecem os efeitos curativos de diversas plantas, existem muitos animais que nos providenciam remédios importantíssimos, como alguns venenos de cobra, de insectos e escorpiões.

3Mas quando um composto é transformado em substância homeopática, a matéria proveniente dessa substância presente em cada diluição vai diminuindo sendo inexistente a partir de potências de 6ch (6 vezes diluídas de 1:100). Podemos dizer que quando um paciente toma um medicamento homeopático não ingere partes do animal mas sim apenas o seu princípio activo.

– A prática da homeopatia em animais é largamente utilizada em países como a França e os Estados Unidos, tanto em animais de companhia como de produção. Tem conhecimento de práticas para o tratamento de animais? São utilizadas em Portugal?

Infelizmente, a Homeopatia Veterinária é normalmente uma formação apenas acessível a veterinários.  No entanto a aplicação da homeopatia no tratamento de animais foi desde sempre vasta.  Não nos podemos esquecer que no tempo em que Hahnemann sistematizou os princípios da medicina homeopática os antibióticos, pesticidas e vacinas eram inexistentes e o recurso aos medicamentos homeopáticos, como alternativa ao abate, era possível.

Com o aparecimento da agropecuária biológica são cada vez mais os criadores que recorrem a métodos alternativos dos fármacos químicos na prevenção e tratamento dos seus animais e embora em Portugal a utilização da homeopatia pelos produtores de gado seja desconhecida, no Reino Unido esta é a terapia preferida por alguns para o seu gado bovino e equino.

Por outro lado, sou cada vez mais solicitada no apoio de animais de estimação e é satisfatório ver que a pouco e pouco recuperamos a aplicação deste tipo de terapia tão gentil e sem efeitos secundários também junto deles.

– Outro tema relacionado com este assunto tem a ver com os procedimentos propriamente ditos. Não será difícil encontrar pessoas que questionem estas práticas, nomeadamente em relação ao bem-estar dos animais. Não andam certamente a capturar corujas e a retirar-lhes as penas. Como é obtido o material necessário, neste ou noutros casos semelhantes?

No caso da coruja-das-torres, o homeopata apenas necessitou de uma amostra de uma pena da ave a partir da qual elaborou todas as diluições e dinamizações sucessivas.  A primeira diluição ainda existirá e será suficiente para se fazer todas as seguintes infindavelmente.  Não foi nem nunca será necessário a caça do animal para a elaboração dos medicamentos.

– Para terminar, que futuro prevê para a prática da homeopatia em Portugal?

Desde o seu surgimento, a medicina homeopática tem criado emoções fortes. Não é por acaso.  Hahnemann, médico premiado do séc. XVIII, abandonou as práticas convencionais criticando os métodos violentos e dolorosos e cuja ineficiência no tratamento dos seus pacientes não era satisfatória.  Foi o seu espírito inquisitivo que o levou a deixar de praticar medicina alopática e a aprender sobre métodos de medicina tradicionais de todo o mundo, desenvolvendo os princípios que ainda hoje nos servem de base.  E apesar de ter mostrado resultados inquestionáveis, nunca foi aceite pelos grupos conservadores instituídos.

Com mais ou menos obstáculos, a prática da homeopatia tem crescido em todo o mundo, está incluída no sistema de saúde estatal de muitos países, e o número de cidadãos que a ela recorre é crescente.

Em Portugal não somos excepção. O conhecimento dos efeitos secundários dos fármacos, a insustentabilidade da sua administração prolongada e o aumento dos custos dos cuidados de saúde instiga à procura de alternativas e complementos à medicina alopática.

A adopção de um estilo de vida mais harmonioso com a Natureza coincide com o recurso a substâncias naturais também na saúde. A percepção cada vez mais generalizada que o corpo é não apenas físico mas também mental e emocional faz com que os pacientes encontrem na homeopatia um sistema médico seguro que os apoia em todas as fases da vida. E enquanto as limitações na tecnologia não nos permitem explicar os fenómenos homeopáticos teóricos, o sucesso irrefutável dos tratamentos e o número crescente de pacientes satisfeitos é prova que a homeopatia estará presente e em forma no Portugal do futuro.

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Dr Adriana T Candeias
Health and Life Consultancy

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