Maio 2013
O assunto não está isento de controvérsias. E se, por si, levantava inflamadas discussões há duzentos anos, o mesmo se passa nos dias de hoje – a ingestão de medicamentos de origem animal, como medida terapêutica, é um assunto sensível, mas um facto. A homeopatia é uma das práticas que, um pouco por todo o mundo, tem vindo a fazê-lo.
Procurámos esclarecer os motivos que estão por detrás de tais procedimentos e, simpaticamente, a homeopata Adriana Candeias mostrou-se disponível para falar um pouco sobre este assunto. Afinal, que razões poderão existir para tomarmos algo, neste caso em particular, obtido a partir das penas de uma coruja-das-torres? O que possuem estas de tão especial?
Um excerto de Tyto alba, Barn Owl Feather [http://www.welshschoolofhomoeopathy.org.uk/provings/Barn_Owl_Feather.pdf]
I had taken advice on how to store the feather once obtained, and arranged to travel down to Helios, as I wanted to carry out the trituration myself if possible. I had not thought about seriously doing a proving at this stage. I had many doubts but everything seemed to fall into place. I completed the trituration at Helios to the thirtieth potency, with instruction and supervision. The trituration had its own synchronicities and experiences for me. I have included extracts from my own journal notes in appendix IV.
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– O que nos pode dizer sobre esta prática, especialmente a quem nunca ouviu falar de homeopatia? Como é suposto funcionar, em termos curativos?
A homeopatia funciona estimulando o sistema imunitário do paciente a desencadear os processos naturais de cura tendo como consequência o desaparecimento dos sintomas.
Após observar e registar os sinais de desequilíbrio no estado de saúde do paciente, o homeopata identifica o medicamento cujas propriedades mais se aproximam do quadro clínico descrito e prescreve-o na potência e frequência adequada ao paciente. Também, devido à complexidade dos quadros clínicos apresentados modernamente, o terapeuta poderá escolher vários medicamentos complementares que ajudarão o paciente a reagir mais rápida e consistentemente ao tratamento.
Embora os sinais físicos sirvam de guia para a identificação do medicamento adequado a prescrever, a acção dos remédios faz-se sentir na causa original do desequilíbrio dando oportunidade à recuperação da saúde e não apenas ao alívio dos sintomas.
A homeopatia é aplicada individualmente e tem em conta a constituição, sensibilidades, historial médico e pessoal, sintomas locais e gerais, reacções associadas e estado mental do paciente, o que faz com que seja um sistema de medicina holístico.
Para explicar as razões da utilização de determinado medicamento homeopático talvez seja melhor descrever a actuação da homeopatia como sistema terapêutico baseado no princípio do Simillum, a cura pelo semelhante: “Uma substância tem a capacidade de curar o quadro clínico cujos sintomas provocaria numa pessoa sã.”
Este princípio é aplicado há milhares de anos por diferentes culturas incluindo os Antigos Egípcios, famosos pelo seu avançado sistema médico. Utilizavam-se compostos tóxicos para curar maleitas que, embora provocadas por outros agentes, tinham um quadro clínico semelhante ao do remédio. A arte deste procedimento consistia em curar o paciente antes que os efeitos tóxicos do composto fossem predominantes, o que levou à elaboração de outro princípio homeopático, o da dose mínima.
Ao investigar a dose mínima a partir do qual o veneno seria eficiente, Hahnemann foi experimentando diluições e desenvolveu uma prática específica de agitar vigorosa e numerosamente entre cada diluição criando as sucessivas potências dos medicamentos. Este protocolo chamado de sucussão, energização, dinamização, ou potentização garante as propriedades das soluções diluídas e é hoje conhecido como o método Hahnemaniano.
Embora a quantidade de composto inicial seja cada vez menor em cada diluição, mantém-se a qualidade curativa das mesmas, mesmo para além de diluições onde a concentração do princípio activo é virtualmente nula, confirmada pela eficácia dos medicamentos homeopáticos de alta diluições e sucussões.
Actualmente, as leis da físico-química prevalentes não conseguem justificar este fenómeno, mas os avanços tecnológicos e as novas teorias sobre as propriedades da matéria têm vindo a ajudar na compreensão da acção específica dos medicamentos homeopáticos.
– Como podemos constatar, neste documento da Welsh School of Homoeopathy é feita referência à utilização de uma pena de rapina nocturna, a coruja-das-torres. Porquê as penas, e especificamente as da coruja-das-torres? Esta prática é comum em Portugal? Que outros animais são utilizados e, em termos terapêuticos, com que fins?
Os medicamentos homeopáticos têm surgido de várias correntes de investigação. Originalmente, Hahnemann e os seus discípulos concentraram-se em toxinas e venenos provenientes tanto de plantas como de animais trazidas essencialmente de territórios exóticos e tropicais.
Também desde então tem-se investigado muitos compostos metálicos como medicamentos homeopáticos, tirando conhecimento a partir do que já se sabe sobre a sua toxicidade a longo prazo.
Mas não são apenas os venenos e as toxinas que têm lugar nas Materia Médicas homeopáticas. Também substâncias aparentemente inócuas no seu estado material contêm propriedades terapêuticas quando potentizadas. Praticamente qualquer composto possui propriedades curativas e o número de homeopatas a testarem e a desenvolverem medicamentos tem crescido.
Por vezes escolhem a substância pela sua importância fisiológica, como o leite materno ou colostrum. Outros são inspirados por vias mais eruditas ou lúdicas. Acredito ser este o caso da coruja-das-torres Tyto alba.
– O nosso principal objectivo é perceber de que modo a ingestão de determinadas partes de animais, presentes em alguns compostos, pode actuar como medida terapêutica. Existem estudos demonstrativos do nível a que funcionam no organismo?
A ingestão de partes animais sempre teve aplicações terapêuticas, como por exemplo o consumo de fígado em casos sérios de anemia ou de ossos para a osteoporose. Da mesma forma que se conhecem os efeitos curativos de diversas plantas, existem muitos animais que nos providenciam remédios importantíssimos, como alguns venenos de cobra, de insectos e escorpiões.
Mas quando um composto é transformado em substância homeopática, a matéria proveniente dessa substância presente em cada diluição vai diminuindo sendo inexistente a partir de potências de 6ch (6 vezes diluídas de 1:100). Podemos dizer que quando um paciente toma um medicamento homeopático não ingere partes do animal mas sim apenas o seu princípio activo.
– A prática da homeopatia em animais é largamente utilizada em países como a França e os Estados Unidos, tanto em animais de companhia como de produção. Tem conhecimento de práticas para o tratamento de animais? São utilizadas em Portugal?
Infelizmente, a Homeopatia Veterinária é normalmente uma formação apenas acessível a veterinários. No entanto a aplicação da homeopatia no tratamento de animais foi desde sempre vasta. Não nos podemos esquecer que no tempo em que Hahnemann sistematizou os princípios da medicina homeopática os antibióticos, pesticidas e vacinas eram inexistentes e o recurso aos medicamentos homeopáticos, como alternativa ao abate, era possível.
Com o aparecimento da agropecuária biológica são cada vez mais os criadores que recorrem a métodos alternativos dos fármacos químicos na prevenção e tratamento dos seus animais e embora em Portugal a utilização da homeopatia pelos produtores de gado seja desconhecida, no Reino Unido esta é a terapia preferida por alguns para o seu gado bovino e equino.
Por outro lado, sou cada vez mais solicitada no apoio de animais de estimação e é satisfatório ver que a pouco e pouco recuperamos a aplicação deste tipo de terapia tão gentil e sem efeitos secundários também junto deles.
– Outro tema relacionado com este assunto tem a ver com os procedimentos propriamente ditos. Não será difícil encontrar pessoas que questionem estas práticas, nomeadamente em relação ao bem-estar dos animais. Não andam certamente a capturar corujas e a retirar-lhes as penas. Como é obtido o material necessário, neste ou noutros casos semelhantes?
No caso da coruja-das-torres, o homeopata apenas necessitou de uma amostra de uma pena da ave a partir da qual elaborou todas as diluições e dinamizações sucessivas. A primeira diluição ainda existirá e será suficiente para se fazer todas as seguintes infindavelmente. Não foi nem nunca será necessário a caça do animal para a elaboração dos medicamentos.
– Para terminar, que futuro prevê para a prática da homeopatia em Portugal?
Desde o seu surgimento, a medicina homeopática tem criado emoções fortes. Não é por acaso. Hahnemann, médico premiado do séc. XVIII, abandonou as práticas convencionais criticando os métodos violentos e dolorosos e cuja ineficiência no tratamento dos seus pacientes não era satisfatória. Foi o seu espírito inquisitivo que o levou a deixar de praticar medicina alopática e a aprender sobre métodos de medicina tradicionais de todo o mundo, desenvolvendo os princípios que ainda hoje nos servem de base. E apesar de ter mostrado resultados inquestionáveis, nunca foi aceite pelos grupos conservadores instituídos.
Com mais ou menos obstáculos, a prática da homeopatia tem crescido em todo o mundo, está incluída no sistema de saúde estatal de muitos países, e o número de cidadãos que a ela recorre é crescente.
Em Portugal não somos excepção. O conhecimento dos efeitos secundários dos fármacos, a insustentabilidade da sua administração prolongada e o aumento dos custos dos cuidados de saúde instiga à procura de alternativas e complementos à medicina alopática.
A adopção de um estilo de vida mais harmonioso com a Natureza coincide com o recurso a substâncias naturais também na saúde. A percepção cada vez mais generalizada que o corpo é não apenas físico mas também mental e emocional faz com que os pacientes encontrem na homeopatia um sistema médico seguro que os apoia em todas as fases da vida. E enquanto as limitações na tecnologia não nos permitem explicar os fenómenos homeopáticos teóricos, o sucesso irrefutável dos tratamentos e o número crescente de pacientes satisfeitos é prova que a homeopatia estará presente e em forma no Portugal do futuro.