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Não havia Lua. E o céu, escuro, como quando fechamos os olhos, mostrava uma grande quantidade de estrelas. Timóteo gostava de olhar as estrelas. Mais que tudo, gostava de as guardar. Este pequeno mocho-d’orelhas, ao contrário dos outros mochos, seus amigos, passava muito tempo (durante a noite, claro, quando podemos ver as estrelas) a olhar para o céu.
“É tempo perdido”, diziam-lhe alguns dos seus companheiros, “enquanto olhas para o céu, não vês os ratos e os insectos, no chão”, insistiam. E eles tinham alguma razão – os mochos, e as corujas, também, caçam, de preferência, durante a noite. Não que não o possam fazer durante o dia, pois todos eles conseguem ver muito bem, mesmo quando o Sol brilha, mas a vantagem destas aves, durante a noite, é verem melhor do que quase todos os outros animais. Se juntarmos a esta característica o voo silencioso e uma grande capacidade auditiva, facilmente compreenderemos o motivo pelo qual os mochos e as corujas preferem a noite.
Podemos, até, fazer uma pequeno jogo (eu prometo que a nossa história continua daqui a pouco).
Durante a noite, no teu quarto, apaga todas as luzes, senta-te na cama e guarda uma pequena moeda na mão. Em seguida, atira a moeda para o chão do quarto. Tenho a certeza de que conseguiste ouvir a moeda a cair, certo? Quase consegues saber onde ela se encontra, apesar de não a conseguires ver (se apagaste as luzes, não vale fazer batota). Ora, para as corujas e mochos, é ainda mais fácil encontrar algo no escuro, do que para as pessoas, pois conseguem ver com muito pouca luz… tão pouca, que seria como se nós pudéssemos sempre brincar às escuras! E, ainda mais importante, estas aves possuem uma audição muito apurada. Quer dizer, se fosses uma coruja, facilmente saberias o local exacto, onde estava a moeda, mesmo sem a ver! Os ratos devem ter uma vida complicada! É difícil permanecer escondido, mesmo na escuridão, quando o ruído, provocado pelo contacto das patas com o solo, é facilmente ouvido por estas aves.
Bem, como prometido, voltemos à nossa história.
O que deixa os amigos do Timóteo ainda mais confusos é o facto de ele estar sempre a dizer que guarda estrelas! Como é que alguém pode guardar estrelas? Em primeiro lugar, as estrelas parecem todas iguais… depois, e este era mesmo o motivo pelo qual todos se riam, de que forma podia o Timóteo guardar as estrelas? Por acaso, algum de vocês sabe como se guardam estrelas? No entanto, garanto-vos: a noite está escura, estrelada, e o Timóteo está, sentado num ramo alto de uma oliveira, a guardar estrelas.
– Olá, Timóteo, mais uma vez a olhar para o céu? Um dia, vais ficar com dores no pescoço.
– Olá, Bernardo, estou a guardar estrelas; queres fazer-me companhia?
– Lamento, Timóteo, mas parece-me uma grande perda de tempo estar a olhar para as estrelas, quando podias estar atento aos ratitos e insectos que percorrem os carreiros, agora, que a noite caiu. Daqui a poucos dias temos que viajar e deves tentar caçar, alimentar-te o melhor possível e guardar todas as energias para a nossa grande viagem!
O Timóteo ainda tentou explicar ao Bernardo que não estava a ser descuidado, que sabia da importância da viagem, que não queria criar nenhum problema a ninguém. Mas que para além de caçar, gostava de sonhar e de, no seu pequeno coração, guardar todas as estrelas que conseguisse abarcar com o olhar, naquele imenso céu de final de Verão… Mas o Bernardo não esperou pela explicação e levantou voo; sem fazer o mais pequeno ruído, afastou-se, enérgico, só pensando no jantar daquela noite e no quão tolo estava a ser o Timóteo. Não se via uma nuvem, a lua nova não mostrava a sua face, mas as estrelas brilhavam intensamente e, para o Timóteo, não havia no mundo visão mais bonita do que aquela.
Vamos fazer aqui mais uma pequena pausa nesta história, para não incomodarmos o Timóteo. Enquanto ele se esquece do mundo a olhar para as suas estrelas, temos que esclarecer o leitor que se surpreendeu com a viagem dos nossos mochos. Esta espécie de rapina nocturna, o mocho-d’orelhas, só se encontra no nosso país durante a Primavera e o Verão; depois, faz uma longa viagem para África, que se chama migração, onde passa o Outono e o Inverno, só nos voltando a visitar na Primavera seguinte, para se reproduzir, ou seja, para fazer nascer as suas crias.
Voltando à noite de Verão:
Uma gata preta, tão preta como a noite escura, chamada Aurora, andava nas proximidades da árvore preferida do Timóteo, uma oliveira muito velha e cheia de cavidades, e ouviu interessada toda a conversa entre os pequenos mochos. Aurora não tinha particular estima pelos mochos e, como qualquer gato que se preza, era solitária e orgulhava-se de assim o ser; mas hoje tinha ficado inquieta com a conversa que ouvira… “guardar estrelas” – pensava ela – “que coisa tão estranha…” A curiosidade foi mais forte que o instinto e o orgulho juntos e a Aurora decidiu perguntar ao Timóteo o que fazia ele com as estrelas.
– Pequeno mocho, não te assustes que não te vou fazer mal; será que me podes ajudar numa dúvida?
O Timóteo apanhou um susto tão grande que quase se desequilibrou do seu poleiro; nem queria acreditar que aquele bicho felpudo estava a falar com ele. Mas já sabemos que o nosso mocho não era um mocho vulgar e, por isso, ele decidiu falar com a Aurora.
– Gato escuro, o que é que me queres perguntar? – diz o Timóteo algo desconfiado.
– Antes de mais, o meu nome é Aurora. E a pergunta que te faço é, porque é que olhas tanto para as estrelas e como é que as consegues guardar?
O Timóteo sorriu e disse:
– Aurora, as estrelas são tão bonitas! Todos os dias escolho uma e guardo-a no meu coração; assim, sei que para onde quer que vá, nunca estarei sozinho e, por muito nublado que esteja o céu, haverá sempre uma noite estrelada nos meus sonhos. Os teus olhos são da cor das estrelas; quando nos despedirmos, saberei, por bem longe que possamos ficar, que também tu guardas em ti duas estrelas.
Foi então que a Aurora entendeu o que significava guardar estrelas e não pôde deixar de pensar que, afinal, o que os bichos diziam dos mochos, que estes eram sábios, até tinha o seu quê de verdade…
Ficaram então os dois em silêncio a olhar para o céu. Quem passou nessa noite, uma das últimas noites antes da migração do Timóteo, junto à oliveira centenária e viu gata e mocho a olharem para o céu, não conseguiu deixar de se espantar com aquela estranha amizade, entre uma gata com olhos dourados e um mocho que sonhava com as estrelas. Até os ratos tiveram uma noite mais sossegada!
O Timóteo é um mocho sonhador, que gosta de olhar para o céu. Não se importa muito por perder alguns ratos. Quer guardar as estrelas para sempre. Afinal, como faz no caso dos amigos, guardar algo na memória não ocupa muito espaço e, onde quer que vamos, estará sempre connosco.
e se fosses guardar uma estrela?…